Quando adolescentes, queriamos ser igual a todo mundo pra nao sermos vitimas de bullying no colegio e ser motivo de chacota. Por mais que vc nao fizesse parte do grupo dos "populares e desejados" (a versao cheerleaders et quarterbacks dos filmes americanos), voce certamente se vestia e se comportava como seus amigos goticos, hippies ou nerds. Afinal, em grupinhos era mto mais facil se defender dos predadores (os mesmo cheerleaders e quarterbacks).
De uns tempos pra ca, numa era em que Lady Gaga e Nicki Minaj sao noticia, tenho reparado uma inversao total dessa onda.
Se antes "ser diferente" era razao pra ser sacaneado e isolado, hoje em dia ser parecido ou igual é crime digno de pena de morte por apedrejamento, voce tendo 15 ou 30 anos.
Veja bem, nada contra quem quer ser totalmente diferente. Acho mais que cada um tem que assumir sua propria personalidade e ser feliz escutando Bjork ou Angra, gostando das obras da Louise Bourgeois, tendo "Le bruit des glaçons" como filme predileto, ou achando que os livros do Garcia Marquez sao realmente geniais.
O problema é que ser humano, principalmente brasileiro, nao sabe o que é meio-termo. Reclama de intolerancia mas é o primeiro a se indignar quando alguem fala que assiste big brother. E do tipo "xinga minha mae de p***, chuta meu cachorro, mas nao me diz que voce assiste big brother". Gostar de algo popular virou um insulto.
Algumas situacoes onde os intolerados viram os intolerantes:
Religiao:
Ser ateu virou moda.
Lembro de quando wicca era o novo black da religiao (ate eu me interessei, mea culpa) ou quando todo mundo queria ser budista ou espirita (o tanto de "eu converso com espiritos, sabe" que eu ouvi nessa epoca nao ta escrito).
Agora o negocio é ser ateu e espalhar por ai que acreditar em Deus é coisa de gente estupida.
Veja bem, eu sou aquela catolica extremamente-nao-praticante (a ultima vez que fui na missa foi na pascoa de 2009, e so pq eu queria ver os cantos gregorianos na Nossa Senhora de Paris, vulgo Notre Dame) e nem sei direito no que eu acredito. Acho mais que se tua religiao (ou ausencia dela) te conforta e te traz a paz de espirito que tu precisa, voce pode acreditar no Papai Noel, em Sheeva, no monstro do lago Ness ou no homem do saco, que pra mim ta otimo.
Acho que essa modinha comecou por causa dos evangelicos. Eles comecaram a aporrinhar tanto as pessoas com "voce PRECISA se converter e acreditar em Deus e ir a igreja e nao pecar", que um monte de gente decidiu bater de frente so de odio. Ou seja, virou um "eu nao acredito em Deus por nenhum motivo especifico, e so pra chocar os evangelicos que ficam me aporrinhando". E acabam caindo no pior lado de toda religiao (ou ausencia dela): o extremismo.
Extremismo é ruim seja voce um muculmano pronto pra se explodir em pedacos por Alah, um evangelico que acha que o mundo ta cheio de pecadores, e tambem um ateu que acha que uma pessoa é um completo imbecil so por ser cristao (ou judeu, ou whatever) e parte pro desrespeito com a crenca alheia.
Ateu fanatico é aquele que so de ver um "achei um emprego, obrigada, meu Deus" de um amigo no facebook, ja acha que o amigo ta pregando e querendo empurrar sua religiao goela abaixo.
Menos, gente. Bom dia, tolerancia.
Musica:
Olha, eu tenho meu lado rafinado, que se amarra numa opéra (Nina Stemme, I love you), que se emociona ouvindo Tchaikovsky (principalmente a trilha de Swam Lake) e que sempre quis aprender a tocar violino. Tenho meu lado decente, que adora Izia, The Clash, Gotye, e que e absolutamente apaixonada por Chris Cornell (marry meeeee!!!).
E assumo numa boa que tenho meu lado "cheesy" e tosco, que passa noites ouvindo Christophe Maé no repeat eterno (dingue, dingue, dingue!), que sabe a letra inteira do "ça m'énerve" do Helmut Fritz, que nao consegue ficar parada quando comeca o "ua ua ua ua ua" do Bad Romance da Lady Gaga ou que foi no show do Michel Telo esse domingo e dancou a coreografia inteira cantando aos berros o "Ai se eu te pego". Me processe. Nao me acho mais burra por causa disso.
Por exemplo, o quanto falaram do tal do Restart.
Sim, eu acho a musica uma bosta. E sim, eu acho que a juventude atual ta perdida, mas nao por causa disso.
Vejam por exemplo a musica que eu mais gostava e escutava ad infinitum quando eu tinha 14, 15 anos (idade do publico do famigerado Restart):
10 anos depois (cof, cof, 14, cof), eu to aqui, com meu gosto musical mudado, com todos os neuronios da cabeca, falando 3 linguas e com um diploma de mestrado no exterior embaixo do braco.
10 anos depois (cof, cof, 14, cof), eu to aqui, com meu gosto musical mudado, com todos os neuronios da cabeca, falando 3 linguas e com um diploma de mestrado no exterior embaixo do braco.
Deixem as adolescentes gostarem das musicas toscas delas em paz. Uma hora isso passa e elas vao ter vergonha quando lembrarem do passado musical (apesar de que, Taylor, continuo te pegando facil!). Aposto que tem muita gente que fala que curte Metallica e usa camiseta do Black Sabbath so pra parecer cool, mas no fundo ouviria Britney Spears e Luan Santana ate o final dos dias.
Eu entendo o argumento de que muitos artistas toscos sem talento tao ae ganhando milhoes enquanto musicos realmente talentosos e que estudaram anos pra tocar o que tocam dependem de ajuda do governo ou de um patrocinio miseravel.
Mas se for assim, entao vamos nos revoltar com os jogadores de futebol que mal sabem conjugar um verbo ganhando 300 mil euros por mes (veja bem, o unico talento dele é saber chutar uma bola pra frente direito), enquanto um professor ganha 1.400 reais. Vamos nos revoltar com politicos que nao sabem nem escrever direito (I'm looking at you, Tiririca) ganham 20.000 reais por mes, enquanto voce ae que tem faculdade e passou no exame da OAB termina o mes no negativo. Com funkeira que tem uma renda mensal de cinco digitos cantando "quero te dar" e rebolando uma bunda do tamanho da orbita de Urano, enquanto gente que estudou violoncelo a vida toda tem que tocar no metro pra ganhar umas moedinhas.
Injustica monetaria ta em qualquer setor de atividade. Vamos nos revoltar com todos e acabar com o entretenimento barato entao.
Carnaval:
Outra nova modinha é odiar Carnaval.
Eu pessoalmente gosto daqueles carnavais, mas das antiga, com marchinha e blocos no melhor estilo Bananal ou Sao Luiz do Paraitinga. Mas nada contra quem gosta de se acotovelar na muvuca em Salvador pulando "peperepepe pe pe", ou contra quem prefere ficar em casa nao fazendo absolutamente nada.
Mas agora o pessoal tem falando de Carnaval como se fosse o unico mau do Brasil. Como se o pais fosse essa zona que é, so porque durante uma semana no ano, temos o habito de desfilar num corredor semi-nus, cheio de glitter e penas.
Agora, gostar de um feriadinho, todo mundo gosta ne?
Se quisessem acabar com o carnaval, todo mundo ia se rebelar, nao pelo lado cultural, mas pela perca dos dois dias e meio de folga em fevereiro.
Bem ou mal, isso é uma coisa intriseca a cultura brasileira, e se tem uma coisa que qualquer gringo no mundo inveja, é o fato de nao ter um carnaval como o nosso no pais deles. 90% das pessoas que eu conheci desde que mudei pro exterior em 2009 sempre me falam que sonham em ir no Carnaval do Rio.
Entao, como eu disse antes, vamos nos revoltar com a qualidade da educacao e da saude publica no Brasil, vamos nos revoltar com os impostos que voce paga e nao tem retorno algum.
O fato de um monte de gente semi-nua cheia de glitter e penacho sambando uma semana no ano nao torna a situacao nem melhor nem pior.
Foco, gente, foco.
A razao de todas as desgracas brasileiras.